Há muito que não verbalizo esta palavra para me referir a ti.
Digo "o teu pai" ao meu marido, digo "o pai" aos miúdos. Mas de ti, meu pai, não falo, só penso.
A intemporalidade do pensamento faz com que, quando penso em ti, viaje no tempo e regresse à menina que era, mais frágil, mais carente, talvez...
Mesmo antes de partires, a vida fez com que nos desencontrássemos. E foi esta ausência prévia que me fez saborear o amargo gosto da orfandade, mesmo antes de ela existir de facto. E talvez seja isso que mais me dói. Ainda.
A perda que existiu antes da tua ausência definitiva, as palavras que não foram ditas, as perguntas que não foram feitas nem respondidas, a mágoa e a zanga que ainda por aqui andam, o luto que ainda não foi totalmente feito.
E hoje em dia, passados todos estes anos, a tua ausência está mais integrada e apaziguada em mim, mas a dor, essa continua...
Gostava que visses na mulher que me tornei, que sou mãe de dois filhos lindos, os teus netos, que soubesses que curso tirei, em que área trabalho, e tantas mais coisas.
Gostava que soubesses que, apesar da tal menina que existia quando partiste ser hoje uma mulher-mãe, há dias em que me faz falta ser filha e ter o teu colo.
A tua ausência está mais apaziguada em mim, mas a dor, essa continua. E há dias em que dói muito.